Midsommar: o cinema de autor e “cámera-stylo” dos dias atuais

Truffaut, em 1954, escreveu na revista Cahiers du Cinéma, um artigo cujo título, em tradução literal, era “Uma Certa Tendência no Cinema Francês”, onde ele dizia que após o início do período sonoro, o cinema Francês seguia uma fórmula concisa dos filmes americanos e não passavam de meras cópias. Sendo, inclusive, influenciado por filmes como “Scarface. No entanto, nesse mesmo artigo ele reafirma a teoria defendida por Alexandre Austruc, em 1948, chamada “caméra-stylo” ou “câmera-caneta”, de que tal qual uma cena, escrita ou pintada, uma cena dirigida no cinema deveria ser produto de um processo artístico do seu realizador. Ou seja, Truffaut defendia, nessa “nova onda” do cinema Francês, que um filme é fruto da mente de seu diretor, e dizer isso não é desmerecer o trabalho da equipe, mas que a sétima arte é uma arte como outra qualquer e o diretor deve ser considerado um autor/artista como outro qualquer. Teoria que mais tarde ficaria conhecida como “Cinema de Autor”.

Ao longo dos anos, com o cinema tornando-se uma atividade relativamente democrática, passamos a entender que um diretor considerado, pelos aspectos da teoria do “Cinema de Autor”, não é necessariamente um diretor que tem uma assinatura estética consolidada e clara, mas aquele que cria em sua narrativa uma atmosfera familiar, mesmo que elas padeçam de conceitos contrários. Por exemplo, Wes Anderson (Grande Hotel Budapeste, O Fantástico Sr Raposo…), é claramente um diretor que carrega um conceito estético em seus filmes, mas não necessariamente cultiva a mesma atmosfera. Em contrapartida, Ari Aster (Hereditário) vai na direção contrária. O conceito estético dos seus filmes são tão distintos que a única familiaridade entre eles é o gênero, terror, e a atmosfera sufocante.

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Em Midsommar (2019), desde a premissa, Ari Aster contradiz as “receitas” mais conhecidas atreladas ao gênero: um filme que acontece sob a luz do dia, nada de jumpscare, mas muito apelo visual – que para alguns pode flertar com o Splatter ou Gore. No entanto, como dito anteriormente, ele [o diretor] consegue recriar a mesma atmosfera sufocante do seu primeiro longa, Hereditário, ambos narrativas que envolve as relações humanas e familiares, talvez parte do mérito do desenvolvimento hostil perpasse a retórica familiar e suas complicações. De toda forma, não é um filme em que seus signos devam ser resumidos. Pelo contrário. É um filme repleto de semiótica.  

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O segundo longa de Aster acompanha um grupo de jovens estudantes que vão para um festival na Suécia. Dani (Florence Pugh), a protagonista, é uma garota depressiva que passou por um grande trauma e encontra na possibilidade de viajar com o namorado e seus amigos, mesmo que contra vontade deles, uma maneira de fugir da sua realidade e, quem sabe, melhorar seu relacionamento, que claramente vive uma fase ruim. Os amigos de Christian (Jack Reynor), poderiam basicamente se dividir entre as personas: adolescente abobalhado, que faz tudo em função de transar com a maior quantidade de garotas possíveis; o intelectual, aquele disposto a ultrapassar os limites éticos afim de comprovar sua tese e o “de boísta”, ou, atualmente alguém  que chamaríamos de “esquerdomacho” – aquele que se mostra receptivo e empático, mas seu objetivo é o da caça, levar a maior quantidade de pessoas possíveis para sacrifício. A sua função sequer se desenvolve mais do que isso.

Durante o desenvolvimento do filme, o que se mostra como ruína para os desavisados convidados daqueles eventos, se traduz para Dani como uma possível redenção. Ao se envolver e ganhar pouco a pouco destaque na comunidade, ela percebe que acolhimento pode vir de um lugar totalmente diferente das suas origens. E aí nos envolvemos no questionamento: devemos estar dispostos a romper qualquer limite ético em prol do acolhimento? E, se, somado a essa pergunta vem o cenário do sujeito que o único conceito de “lar” que ele possui atualmente sequer existe e a figura mais próxima de ser chamada de família é alguém vaidoso e tóxico. Como considerar ou julgar as ações e omissões desde? Como definir valores morais às pessoas que partilham de dor, prazer e afeto genuinamente com alguém que não tinha nada?

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Midsommar mais pergunta do que responde. E, por incrível que pareça, esse é o grande trunfo. Afinal, ele refuta a ideia de que um filme pode ter finitas possibilidades de interpretação, mas, ao mesmo tempo, confere aos aspectos técnicos (arte, fugurino, foto…) uma construção dedicada e marcada de easter egg’s. O próprio filme se conta através dos quadros e da estética, antes mesmo da narrativa implementar o que esses setores já haviam dito. Dani não deixa de ser um representante do espectador que precisa o tempo todo lutar contra seus problemas e se descobrir no meio do caos, e, convenhamos, para que o caos se instale, a escuridão das nossas questões mal resolvidas é um prato cheio. Independente da hora do dia.

Ao invés de seguir fórmulas ou regras já consolidadas no gênero de horror, Ari Aster (Hereditário, 2017) segue inovando ao contradizer receitas de sucesso da história do cinema e em seu segundo longa já demonstra uma assinatura sólida.

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Ariana, formada em marketing e em cinema, é dona de vários apelidos, acredita que foi abençoada com um grande coração e em contrapartida um pavio bem curto. Sua melhor definição são os excessos.

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