Beleza Americana: olhe mais de perto, nem tudo é o que parece ser

Uma comparação entre a densidade criada por Sam Medes na construção dos personagens do filme “BELEZA AMERICANA”, com a própria densidade das nossas construções sociais. Uma realidade incrivelmente bem elaborada e que parece ter saído diretamente da nossa rotina (com uma licença poética, claro!) para as películas desse clássico.

Mena Suvari (Foto: Divulgação)

Há 16 anos o filme beleza americana era lançado. Um clássico que é considerado uma crítica ao estilo de vida americano e aos seus ditos padrões de materialismo e individualidade. A grande sacada do longa é como um personagem se completa ao outro e assim transformam todo o cenário numa dança familiar de neuróticos. Pessoas ditas comuns, que se auto pressionam para se encaixar no estilo de vida supostamente perfeito, deixam seus demônios internos tomarem conta de si (Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidencia, ou não).

O filme parece transportar mais elementos de críticas do que o que poderíamos afirmar em um primeiro olhar, é denso, desde o título, que ao invés de fazer referência à beleza da jovem apresentada no cartaz, e musa do protagonista, sai como uma sátira disfarçada aos estereótipos sociais que habitam grande parte da população.

Lester Burnham (Kevin Spacey)

O Drama se baseia nos conflitos do personagem Lester (Kevin Spacey) que é um quarentão classe média, apático e depressivo. Onde nas primeiras frases do filme, ele já deixa claro sua sentença de morte, porém, ao mesmo tempo também afirma metaforicamente que já vive morto há muito tempo. Com certeza uma referência à expressão de Morin (2000) , segundo a qual “se vive de morte”. Lester não tem saída, de uma forma ou de outra já está morto. Sobrevive. Caminha sem expressão, escuta atrás das portas e na sua “fase de renascimento” usa o sarcasmo como principal arma de comunicação com a sua família. Que por sua vez parece dividir o mesmo vazio existêncial que vive o protagonista.

Carolyn Burnham (Annette Bening), esposa de Lester, é uma mulher materialista e superficial, vazia de sentimentos maternos, sua maior preocupação é projetar uma imagem de sucesso para, enfim, encontrar o sucesso. E assim, ela segue de forma desequilibrada e fomentando a teoria de que é mais importante TER do que SER, representar estar satisfeita do que realmente sentir-se satisfeita. O que obviamente é uma receita para o fracasso afetivo interno, já que não existe densidade emocional nas suas relações. O que vigora é a possibilidade de ascensão material, de resto, tudo é projeção.

Jane Burnham (Thora Birch)

Na outra ponta do triângulo familiar vive Jane Burnham (Thora Birch), filha única do casal, claramente em busca da sua identidade social, é o alvo de todos os distúrbios sociais que os personagens apresentam no filme. Se não fosse pela cena de uma suposta idéia de matar o próprio pai, movida pelo desejo primário de ódio e imediatismo, diria que seria a personagem mais forte do cenário, justamente por sofrer todas as influencias negativas do ambiente familiar, do ambiente escolar (principalmente da relação com sua melhor amiga) e as influências do comportamento psicótico do seu namorado, Rick Fitts, que também é seu vizinho. Porém, mesmo com toda essa sobrecarga é a personagem que menos esboça reações caricatas de distúrbios sociais, existe sim, claramente, mas ao compara-la com os demais personagens e um possível futuro de sobrevivência sem tantos danos psicológicos, acredito, ela seria a que teria maior condição de curar (ou minimizar) os danos de toda essa estrutura já citada.

Família Burnham

Sendo assim, torna-se notável a ausência de uma dinâmica familiar saudável, os personagens são elaborados para representar de forma intensa cada um dos tipos de personalidades estereotipadas de uma sociedade como um todo. Os Burnham (família protagonista) desempenham esse papel com louvor e contam com os Fitts para completar o quadro caótico muito bem elaborado pelo diretor Sam Mendes

Rick Fitts (Wes Bentley)

Rick (Wes Bentley), primogênito dos Fitts é um jovem com características curiosas, envolvido com drogas, do uso ao tráfico, acredita que é capaz de reduzir toda a complexidade do mundo que está a sua volta aos olhos das lentes de sua câmera. Fazendo-o assim sentir que tem algum tipo de superioridade. Rick é o perfil clássico do garoto que teve sua infância esmagada pelo autoritarismo inescrupuloso do pai, Frank Fitts, militar que tenta trazer para o ambiente familiar o modelo de autoridade das forças armadas.

Um dos exemplos de personalidade mais comum que o filme retrata é a do Coronel Frank Fitts (Chris Cooper) , homofóbico, violento, falso moralista e falso disciplinador, Frank esconde no alto do seu repúdio tudo que nega dentro de si enquanto ser humano e homem passivo de sentir desejos.

Coronel Frank Fitts (Chris Cooper) e Lester Burnham(Kevin Spacey)

O conflito interno do Frank não nos revela outra saída senão a violência e o ódio. Nazista e de personalidade perversa ele teme tudo que sente e sente tudo o que teme.

Completando esse cenário está Bárbara Fitts (Allison Janney), totalmente incapaz de sentir algum tipo de emoção, sua personalidade fora totalmente apagada ao longo dos anos e a imagem que podemos concluir é a de alguém que não consegue se constituir como ser, de alguém totalmente sem expressão e que não consegue esboçar nada além da infelicidade.

Lester Burnham(Kevin Spacey) e Angela Hayes (Mena Suvari)

Por fim, Angela Hayes (Mena Suvari), é a personagem idolatrada pelo protagonista Lester e poderia ser de longe a personagem mais interessante do filme, mas não é, torna-se a mais comum de todas e com todos os demônios internos que uma garota insegura e medrosa pode ter. Paradoxalmente, ser comum também é o maior medo da Angela e talvez seja uma das características que mais traga-a para essa realidade. Sedutora quando anda por cima do personagem que construiu, o de uma garota com a vida sexual ativa, segura do futuro e totalmente ciente do desejo que desperta nos homens. Porém, a personagem anda longe de ser que ele diz ser, durante o decorrer do filme ela se despe das mentiras e vira para o Lester algo poético, algo capaz de impulsiona-lo, porém muito distante de ser concreto.

Talvez o momento mais verdadeiro do filme seja a dança do saco filmada por Rick e também idolatrada por ele, a dança representa o vazio dos seres que ali foram representados, o vazio em busca de algum significado. Uma subjetividade dentro do nada. É a possibilidade ainda não encontrada de transformar-se em algo, mesmo que ainda não se saiba em quê. Uma luta finita, de seres sociais em construção, exposta e concluída com louvor através da metáfora:

“É preciso olhar por outros olhos as coisas simples para enxergar a beleza delas.”

cacau

Ariana, formada em marketing e em cinema, é dona de vários apelidos, acredita que foi abençoada com um grande coração e em contrapartida um pavio bem curto. Sua melhor definição são os excessos.

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