Juliana Paes fala sobre feminismo e é só elogios à Sônia Braga

Revirando meus arquivos de textos, entrevistas e outras ousadias que tentei entre o cinema e o jornalismo, resolvi desenterrar uma entrevista feita com o elenco do filme “Dona Flor e seus dois maridos”, de Pedro Vasconcelos, em 2017. Pois é, pasmem. Na época eu era 1º/2º período do curso de cinema, mas já escrevia para dois sites, o Superela (onde você pode ler o texto original) e também para revista de cultura colaborativa Obvious Mag, lá de Portugal. Nessas aventuras, calhei de entrar na coletiva de imprensa do filme, rs! Espero que vocês gostem do resgate 🙂

Eu com a cara daquele cachorrinho, do meme, ao lado do Pluto.

Publicado originalmente em 01/11/2017, aqui:

O clima já começou muito descontraído e objetivo. Antes mesmo das perguntas começarem após eu ter compartilhado a mensagem que o filme me deixou. Juliana já nos contava seu ponto de vista sobre a versão que protagonizou – como se espera de todo ser humano minimamente responsável que defende sua cria: unhas e dentes ao defender sua sua visão, mas sem querer desvirtuar a essência do filme.

Sem mais delongas, vamos às perguntas:

A história se passa nos anos 40. Acha que mudou muita coisa de lá pra cá nas relações? O que acha das relações não-monogâmicas? Acha possível amar mais de uma pessoa?
Juliana Paes: eu acho que o filme no final das contas não se trata muito disso. Eu fico até preocupada de entrar nessa seara, porque eu acho que desvirtua mesmo, sai do foco. O que eu acho é que hoje em dia a gente tem nome pra tudo, mas Jorge Amado já vislumbrava esse tipo de situação. Já falava sobre isso de maneira lúdica, mais aberta mesmo. Ele sempre foi muito moderno e pra mim um autor feminista, nesse sentido. Pra mim, o que fica em primeiro plano é a questão da libido feminina, da sensualidade e da sexualidade, seja colocada de maneira natural. Seja tirada desse contexto tão patriarcal sufocante que a gente vive.

Mas, você não acha que muita gente vai assistir o filme com foco no triângulo? e que, infelizmente, vai levantar como discussão principal esse assunto ao invés da liberdade sexual, inicialmente?
Pedro Vasconcelos: o que rege, na verdade, a monogamia é o amor. Enquanto houver amor por uma pessoa, você vai ficar com aquela pessoa. Se o seu amor diversifica para outras pessoas, você vai viver o seu amor diversificado com outras pessoas e com lealdade com todo mundo, todo mundo sabendo de tudo. Mas, o que rege a lealdade é o amor, fora isso, é diversão.

Depois de tê-lo feito no teatro, quais foram os desafios de trazer Vadinho para o cinema? Você se inspirou de alguma forma na interpretação de outros atores?
Marcelo Faria: nunca me inspirei em outros atores fazendo algo que eu iria fazer. Vi e revi o trabalho de Lázaro Ramos e Wagner Moura no filme “Ó paí, Ó”, que, pra mim, são os caras que mais se aproximam do meu Vadinho. Principalmente nas cenas em que o Boca, personagem de Wagner, discute com o Roque, personagem de Lázaro. Trazer para o cinema foi só tentar fazer um pouco menor do que fazia no teareo, trazer mais para a intimidade, já que as câmeras nos lê mais de perto.
Pedro Vasconcelos: na verdade a gente namorava a Dona Flor no teatro e resolvemos pedir ela em casamento para levar para o cinema (risos).

E Juliana, como foi fazer mais um papel que foi da Sônia Braga?
Juliana Paes: pois é, na verdade viver Dona Flor é um presente por três razões principais: primeiro porque qualquer personagem do universo Jorge Amado é um sonho pra qualquer ator fazer, por ele ser um gênio da nossa literatura, por ele falar tão bem da alma feminina. Depois, é maravilhoso viver papeis que foram da Sônia Braga. Ela é mais do que uma musa pra mim. Ela é uma inspiração pra mim, sempre! Querendo ou não, independente do que o diretor quer que você se espelhe ou não no que já foi feito, existe uma memória afetiva aí. Existe o que eu tenho dela marcado, impresso, na minha memória, no meu corpo, que todas as vezes me foram apresentados personagens vividos por ela, foi fazer com muita humildade uma homenagem. Eu sou uma grande fã. Depois, pelo empoderamento. A gente pode trazer uma geração, que ainda não conhece a obra, um filme que aborda uma escolha tão livre de uma mulher.

Eu percebi uma crescente na versão atual da Flor, em relação a ela mesmo. Tem cenas que você percebe o dilema muito intenso e depois você sente o equilíbrio se manifestando. Isso realmente existe?
Juliana Paes: sim, sim. Que bom! Justamente. Essa questão do tabu e da moral é um aspecto muito importante dessa obra. Então, eu queria mesmo que essa angústia dela, que é a angústia de toda mulher até hoje (e é por isso que essa história não fica velha nunca), que é “O que é mulher na rua? a mulher de casa? a mulher pra casar? Que liberdade é essa que a gente ainda vive? Que liberdade é essa que a gente acha que tem e não tem?. Esse é um aspecto muito importante do filme. E eu achava que ele só iria tocar mesmo as pessoas como uma Flor muito angustiada: “eu amo meu marido, eu sou casada, eu quero gostar dele! Mas, ainda me falta alguma coisa. Eu tenho desejos”. Os mesmo desejos que Vadinho tem, que o Teodoro tem, cada um no seu universo.

E eles não têm poder nenhum em lidar com os desejos deles, não é mesmo?
Juliana Paes: exatamente.
Pedro Vasconcelos: vou fazer um paralelo bobo aqui, mas é como se Dona Flor saísse do armário, né?! A causa libertária da mulher não é só da mulher. Na verdade, ele fala muito do que hoje serviria para a diversificação sexual. A liberdade de ser quem você quer ser, seja do jeito que você quer ser, desde que você não agrida ninguém.Desde que você não desrespeite o outro, e você, por favor, saia do armário e seja livre!

Bom, pra finalizar, Juliana, você pode deixar um recado para os nossos leitores?
Juliana Paes: meninas: continuemos! O importante é continuar. Ainda falta muita coisa, a gente ainda precisa caminhar muito nessa questão do feminismo. Agente a gente tem outros nomes, novas siglas, sororidade, empoderamento… Mas, não adianta se a gente não fizer com amor. Eu não acredito muito em pé na porta, sabe? Tem o seu espaço, mas não é o meu jeito de dialogar com outras mulheres. Eu acredito no amor, nas pílulas diárias, no pouquinho, no papo de bar que você fala para o amigo: “homem, não é assim…” Eu não sou de confrontar, eu prefiro ter paz do que ter razão. Então, eu acho que é isso, a gente tem que continuar com o nosso discurso que a gente vai muito longe.

Por fim, a entrevista realizada em 2017, mas revisitada em 2019 me trouxe uma observação muito grande em relação aos aspectos de gênero e até a última fala da Juliana. Acredito que a gente precisa respeitar o outro sim, porém, se a língua dos homens pede um “pé na porta” é essa língua que eu vou falar. Por muitos anos a sociedade só ouviu a voz da violência, e as mulheres não devem medir esforços para serem ouvidas. Ou seja, pelo menos em mim, há um hiato entre a Cacau de 2017 e de 2019. Acontece. Eu que lute.

Veja o trailer!


cacau

Ariana, formada em marketing e em cinema, é dona de vários apelidos, acredita que foi abençoada com um grande coração e em contrapartida um pavio bem curto. Sua melhor definição são os excessos.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Next Post

Resista num Pálido Ponto Azul: o ponto cego do privilégio

Seg Nov 11 , 2019
Carl Sagan, um dos maiores astrônomo da história recente,  trouxe diversos questionamento no livro “PÁLIDO PONTO AZUL – UMA VISÃO DO FUTURO DA HUMANIDADE NO ESPAÇO”. Se você já conhece a obra, ao fazer um paralelo com o nosso ecossistema cultural, é possível perceber a singularidade que os reúne. Assim […]

Você pode gostar